Entre Páginas – O Cavaleiro Inexistente

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Foi em uma deliciosa tarde de sábado, sentada com amigas ao redor de uma mesa farta em um café digno dos tempos de Jane Austen, que ouvi falar pela primeira vez nas obras de Italo Calvino. O relato foi tão empolgante e apaixonado, que minha vontade era sair dali e ir direto para uma livraria, adquirir os livros tão comentados. E foi exatamente o que fiz, começando por O Cavaleiro Inexistente.

Uma freira enclausurada que tem como penitência contar uma história. Um jovem rapaz que não vê a hora de pegar em armas para vingar o pai assassinado. Uma mulher destemida que luta melhor do que os homens. Um cavaleiro inexistente.

Resultado? Um romance de cavalaria às avessas, que poderia muito bem ser uma mistura de Dom Quixote com Monty Payton. Honra, humor e conflitos existenciais se sucedem ao longo das páginas de O Cavaleiro Inexistente, costurados por uma escrita belíssima e repleta de figuras de linguagem.

Confesso que ao começar a ler a obra do autor italiano, não sabia se esta seria uma leitura penosa ou prazerosa. Suas singelas 115 páginas são tão intensas, que a impressão que se tem é a de estar lendo um livro de mais de 500 páginas – bem compactas, é claro! Mas, uma vez inserida no cenário e familiarizada com a escrita poética de Ítalo Calvino, a leitura flui deliciosamente, entrecortada por risadas e… risadas.

Na verdade, acredito que a obra é uma verdadeira crítica ao romantismo e ao “heroísmo”. Se analisarmos os personagens bem de perto, percebemos que nenhum deles é exatamente um herói. Muito pelo contrário! Todos são bastante “atrapalhados” e acabam por muitas vezes a colocar tudo a perder com um simples gesto repentino. É quase como se na ânsia de ser, eles pulassem a parte da reflexão e partissem logo para ação – qualquer semelhança com a vida real é mera coincidência?

Aliás, a grande questão do livro é justamente a existência – e não tem nada a ver com texto autoajuda não! Está tudo nas entrelinhas…! – É justamente em torno dela que gira as personalidades dos personagens: Agilulfo que é, mas não existe. Gudulu, que existe, mas não é. Bradamante e Rambaldo, que querem ser quem não são. E aí por diante…

“Boa esta! Aqui temos um súdito que existe mas não tem consciência disso e aquele meu paladino que tem consciência de existir mas de fato não existe. Fazem uma bela dupla, é o que lhes digo!”

Outro fator bastante encantador no livro é a própria forma de narrativa. Ela se passa em dois núcleos sobrepostos: a história em si e a relação da narradora com a escrita. Enquanto cumpre a penitência, a freira dialoga o tempo todo com a obra – às vezes literalmente, como por exemplo quando ela diz: “Livro, agora você chegou ao fim”. Já em outros momentos, ela discorre sobre a própria arte da escrita. As palavras ganhando forma no turbilhão das páginas, a navegação pelo mar de letras… Uma verdadeira lição para qualquer pessoa que sonha em escrever!

“(…) a arte de escrever histórias consiste em saber extrair daquele nada que se entendeu da vida todo o resto; mas concluída a página, retoma-se a vida, e nos damos conta de que aquilo que sabíamos é realmente nada”.

“Começa-se a escrever com gana, porém há um momento em que a pena não risca nada além de tinta poeirenta, e não escorre nem uma gota de vida, e a vida toda está fora, além da janela, fora de você, e lhe parece que nunca mais poderá refugiar-se na página que escreve, abrir um outro mundo, dar um salto”.

Depois disso tudo… Já viram, né? Me tornei fã de carteirinha do Italo Calvino! E o melhor de tudo é que as obras desse autor são bastante acessíveis! A Companhia das Letras lançou algumas delas com preços bem amigáveis, então… Não tem desculpa! O que você está esperando para ser surpreendido?

Ficha Técnica:

Título: O cavaleiro inexistente

Autor: Italo Calvino

Editora: Companhia de Bolso

Páginas: 115

País: Itália

Avaliação: 5/5 estrelas

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