“(…) quero buscar na página o equilíbrio entre mim e ela que, na vida, não consegui encontrar sequer comigo mesma.”
Chegamos, por fim, ao último volume da (merecidamente) aclamada Tetralogia Napolitana, da autora italiana Elena Ferrante: História da menina perdida.
Apesar de ter tido alguns entreveiros com a nossa narradora no terceiro volume, História de quem foge e de quem fica, acabei me envolvendo demais com este último livro, a ponto de terminar as suas páginas com o coração apertado por ter que me despedir destas personagens e já sentindo saudades desta obra espetacular.
História da menina perdida sem dúvidas encerrou a série com chave de ouro e foi direto para o hall de livros favoritos!
Atenção! Pode conter spoilers de A amiga genial, História do novo sobrenome e História de quem foge e de quem fica!
“Mas vocês, que leem e escrevem livros, gostam de inventar mentiras para si, não a verdade.”
Se em A amiga genial acompanhamos a infância de Lenu e Lila, em História do novo sobrenome a sua adolescência e em História de quem foge e de quem fica o início da sua vida adulta, em História da menina perdida temos por fim a fase de maturidade das personagens, assim como o começo de sua velhice.
E aqui já temos o primeiro ponto que me fez gostar ainda mais deste quarto volume: ao falar de sua maturidade, Lenu se torna uma narradora mais palatável e ponderada e seu campo de escrita, ainda que abranja muito de seus dramas pessoais, se expande para discutir mais a fundo o cenário em que habita – as belezas e horrores de Nápoles, a violência velada e escancarada dos camorristas e a corrupção e negligência das instâncias governamentais.
“(…) o sonho de um progresso sem limites é na verdade um pesadelo cheio de fúria e morte.”
Este período da narrativa engloba o retorno de Lenu a Nápoles e, posteriormente, ao bairro de sua infância. Ao (re)mergulhar naquele espaço e utilizá-lo como inspiração para sua escrita, a jovem alcança um sucesso considerável em sua carreira, mas também pisa em alguns calos há muito cultivados pelos negociantes da região.
Sua mudança para a região também significa uma reaproximação de Lila, com quem retoma uma amizade ainda mais próxima e simbiótica. Mas, apesar de Lenu voltar a orbitar em torno da figura mítica da amiga, aos poucos ela se dá conta de que sua dependência em relação a ela se arrefeceu um pouco, o que de certa forma estabelece um novo equilíbrio à relação das duas.
Já Lila está em uma fase em que beira aos extremos e parece, cada vez mais, perder o controle de si e de seus próprios sentimentos. Este também é o volume em que a personagem vive momentos ainda mais intensos e devastadores, que contribuem ainda mais para a sua desmarginação, sua evanescência.
“Ela temia acima de tudo o tremor e a torção da matéria, odiava qualquer forma de mal-estar, detestava a cavidade das palavras quando se esvaziavam de todo sentido possível.”
E por falar em sentimentos extremos… História da menina perdida é, sem dúvida, o livro que mais nos choca e surpreende – é um “eita” atrás de “eita” durante toda a leitura! Ao longo da narrativa somos assolados por acontecimentos tensos, angustiantes, tristes e violentos. Conforme o tempo passa, vamos descobrindo o desfecho da trajetória de alguns personagens e alguns deles são bastante comoventes.
“Mentiras são melhores que tranquilizantes.”
Por fim, um outro ponto (dos milhares que a autora nos apresenta) que gostaria de destacar é, novamente, o protagonismo de Nápoles como cenário dessa história. Assim como nos apegamos aos personagens durante a leitura, também nos afeiçoamos por esta cidade cultural e historicamente riquíssima, por suas dicotomias e inconstâncias. Em suas páginas, Ferrante apresenta ao leitor um lugar vivo e tridimensional, onde o belo e o feio convivem simultaneamente. É quase impossível terminar a leitura sem ter vontade de visitar essa cidade – algo que espero, em breve, poder fazer.
“Ah, que cidade (…), que cidade esplêndida e significativa: aqui foram faladas todas as línguas, Imma, aqui se construiu de tudo e se destruiu de tudo, aqui as pessoas não confiam em nenhuma falação e são bem falastronas, aqui há o Vesúvio que todo dia recorda que o maior feito dos homens poderosos, a obra mais esplêndida, o fogo, e o terremoto, e as cinzas, e o mar em poucos segundos reduzem a nada.”
Me despeço da Tetralogia Napolitana com um sentimento de ganho e perda – ganho por ter tido uma experiência tão rica e tão arrebatadora como leitora; e perda porque já me sinto um pouco órfã dessa história. Com certeza, Lila, Lenu e os demais personagens dessa narrativa continuarão a me acompanhar por muito tempo.
Se você, assim como eu, perdeu o bonde do hype e ainda não tirou essa série da estante, fica a forte recomendação para que o faça o quanto antes. Vale cada página!
“Eu amava Lila. Queria que ela durasse. Mas queria que fosse eu a fazê-la durar. Achava que era a minha missão. Estava convicta de que ela mesma, desde menina, me atribuíra essa tarefa.”
Ficha Técnica:
Título: História da menina perdida
Autora: Elena Ferrante
Editora: Biblioteca azul
Páginas: 480
País: Itália
Avaliação: 5/5 estrelas