“(…) você é minha amiga genial, precisa se tornar a melhor de todos, homens e mulheres.”
Desde que A amiga genial, de Elena Ferrante, ganhou as prateleiras brasileiras, em 2015, eu vinha ensaiando a sua leitura. Já havia, inclusive, começado a lê-lo há alguns anos, mas, por alguma razão desconhecida, não havia conseguido me conectar direito com a obra e resolvi tentar em uma oportunidade futura.
Pois bem. Com minhas incursões recentes pela literatura italiana, estabeleci um novo contato com a autora (em Dias de abandono, A vida mentirosa dos adultos e A filha perdida) e desta vez a combinação foi certeira! Tanto que resolvi me inscrever em um novo curso ministrado pela psicanalista Tatianne Dantas, desta vez sobre a Tetralogia Napolitana. Só tinha um problema: eu não tinha lido nenhum livro da série ainda (quem nunca?).
Ora, pelo menos esse problema é fácil de resolver. “Parei as máquinas” e finalmente iniciei a leitura de A amiga genial… e essa nova experiência com o livro foi totalmente diferente da anterior! Não só me conectei com a narrativa logo de cara, como fiquei simplesmente apaixonada por esse universo criado pela autora!
“Era como se, por uma magia malévola, a alegria ou a dor de uma implicasse a dor ou a alegria da outra.”
Lenu e Lila. Lila e Lenu. É difícil dizer até que ponto uma começa e a outra termina – as duas possuem uma relação quase que simbiótica, onde uma não pode existir sem a outra… Ou melhor, sem a validação da outra. Elas são as nossas protagonistas não só de A amiga genial, mas de toda a tetralogia, e somos literalmente sugados para suas vidas, suas descobertas, suas alegrias e tristezas.
A obra se inicia quando Lenu recebe uma ligação do filho de Lila dizendo que sua mãe desapareceu. Essa notícia deflagra uma série de lembranças em Lenu, que resolve sentar e escrever a história da sua amiga (a sua própria história), como uma tentativa de recolocar Lila no mundo, registrando sua passagem por ele.
“Estava extrapolando o conceito de vestígio. Queria não só desaparecer, mas também apagar toda a vida que deixara para trás.”
Somos transportados então para um bairro pobre de Nápoles, onde acompanhamos, página a página, a construção dessa amizade calcada sim, em uma conexão um tanto inexplicável, mas também na inspiração, na inveja e na tentativa de superação e autoafirmação. Por vivenciarmos os acontecimentos pelos olhos de Lenu, temos contato com seus medos e inseguranças, que fazem com que ela se sinta sempre inferior a Lila – construída pela narradora como uma espécie de “entidade” perfeita e inalcançável, sempre superior em tudo o que faz.
Logo de cara, percebemos que as duas são opostos completos, mas que uma depende da outra para ter forças para sobreviver em um mundo pós-guerra, com regras rígidas e limitadoras – exacerbadas ainda mais pela pobreza e pela mentalidade antiquada de seus pais. Juntas, as duas passam por seus anos de formação, descobrindo as belezas e as dores de crescer e, mesmo que suas vidas tomem rumos diferentes, essa amizade é sempre uma constante.
“(…) não há gestos, palavras, suspiros que não contenham a soma de todos os crimes que os seres humanos cometeram e cometem.”
O que mais me impressionou, e o que deixa o leitor totalmente fisgado em suas páginas, é a forma brilhante como Ferrante constrói seus personagens de forma tridimensional, a ponto de conseguirmos afirmar com segurança “Isso é algo que Lila faria” ou “Aquilo é tão Lenu”. E isso serve não só para as protagonistas, mas nos sentimos parte daquela comunidade, seja torcendo por um personagem e odiando outro. Ferrante faz com que nos importemos com cada um deles e isso é algo que apenas um escritor talentoso é capaz de fazer.
Além disso, a autora também consegue mostrar, de uma forma simples e natural, os processos dolorosos do amadurecimento – a dor de descobrir que suas convicções estavam erradas, que as pessoas podem não ser quem sempre achamos que eram e que talvez o maior desafio seja descobrir de fato quem somos.
Por fim, como em A vida mentirosa dos adultos, a ambientação em Nápoles também é um capítulo à parte. A cidade pulsa, respira, e exerce sua influência não só nos personagens como nos leitores – por diversas vezes interrompi a leitura para procurar fotos dos lugares descritos e isso só aumentou a vontade de conhecer o lugar (espero que aconteça logo!!!).
“Nápoles, segundo ele, era assim desde sempre: se corta, se quebra e depois de refaz, e assim o dinheiro corre e se cria trabalho.”
Por um lado, encerro a leitura triste por ter demorado tanto tempo para fazê-la, mas feliz por ainda ter mais três livros situados nesse universo, que com certeza já me arrebatou.
Ficha Técnica:
Título: A amiga genial
Autor: Elena Ferrante
Editora: Biblioteca azul
Páginas: 336
País: Itália
Avaliação: 5/5 estrelas