Post do arquivo do Café com Blá Blá Blá*
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Em 2018 nós perdemos todos os posts antigos e, aos poucos, estamos subindo o conteúdo antigo para que todos tenham acesso.
Minha história com HHhH, do autor francês Laurent Binet, é no mínimo inusitada. Já tinha ouvido outros leitores que acompanho comentando sobre esse livro, dizendo havia ganhado merecidamente o Prêmio Gouncort – um dos maiores prêmios literários da França –, mas confesso que não fazia ideia de que o livro se tratava.
Pois bem. Muito tempo depois, assisti a um filme encenado pelo (meu crush eterno) Jamie Dornan e (meu mais recente ator favorito) Gillian Murphy chamado Anthropoid, que narrava um episódio da História em que dois paraquedistas tchecos realizam um atentado contra Reinhardt Heydrich, um dos homens mais perigosos e cruéis do nazismo. Fiquei impressionadíssima com a história e queria saber mais sobre o tema.
Foi aí que (as forças do destino agiram) eu me deparei com um vídeo da Tati Feltrin em que ela resenhava HHhH e descobri que o livro falava justamente sobre o tema de Anthropoid. É claro que não precisei de mais nenhum incentivo: corri à livraria mais próxima, adquiri meu exemplar e iniciei a leitura imediatamente.
O resultado? Uma das melhores leituras que fiz nos últimos tempos!
“O que determina que um personagem seja o personagem principal de uma história? O número de páginas que lhe são dedicadas? A coisa é um pouco mais complicada, acredito.”
Para Laurent Binet, sua intenção ao iniciar a obra é fazer uma espécie de homenagem a Jan Kubiš e Jozef Gabcík, respectivamente um tcheco e um eslovaco, que foram instrumentos importantes na resistência tchecoslovaca durante a Segunda Guerra Mundial. Porém, este também é, de certa forma, um livro sobre Reinhardt Heydrich, sua nêmesis e um dos principais nomes do governo nazista.
Logo no início, Binet revela a sua relação quase que afetiva com a misteriosa história que seu pai lhe contava sobre dois homens que haviam tentado, praticamente sozinhos, interromper o legado de horror que Heydrich propagava no território sob domínio alemão. Instigado por esta anedota, o autor resolve mergulhar em uma pesquisa extensa e profunda sobre o episódio, que posteriormente se transformaria no material para HHhH.
Depois da História em si, esse foi o segundo fator que mais me chamou atenção ao iniciar a narrativa: o fato de que o autor também compartilha com o leitor o seu lado de história, a sua fixação pelo tema, a dificuldade de acesso a certos materiais e a opinião de outras pessoas sobre o seu trabalho incessante para desvendar os mínimos detalhes sobre o acontecimento.
E, mais do que isso: ele também abre o jogo e assume alguns pequenos equívocos em sua narrativa. Ou seja, ao invés de ter simplesmente editado o texto em uma revisão final, alterando a informação errada, ele a corrige em um capítulo posterior, mantendo o erro inicial.
“Eu disse uma besteira, vítima ao mesmo tempo de um erro de memória e de uma imaginação um pouco intrusiva.”
Mas, voltando à história, é incrível a habilidade de Binet em transformar um texto de não ficção em uma obra tão fascinante e tridimensional que você acaba se envolvendo com os personagens como se estivesse acompanhando uma história fictícia. Com muita astúcia, ele desenha as personalidades de seus heróis, nos faz torcer por eles, e confesso que em mais de um momento me emocionei de antemão por saber o que aconteceria a seguir.
Ao mesmo tempo, ele também invoca Heydrich com uma riqueza tão grande de detalhes que é como se de fato estivéssemos inseridos dentro do alto escalão nazista, acompanhando suas megalomanias e reuniões com o Fürer.
“(…) a História, essa fatalidade em marcha, nunca se detém.”
Cabe dizer que apesar de dar o protagonismo a Heydrich durante grande parte de sua obra, Binet não é imparcial – e nem tenta ser. Desde o início ele deixa clara a sua posição a favor da resistência e mostra com um realismo assustador, as camadas mais cruéis da máquina nazista.
Sei que pode parecer clichê, mas em um cenário atual onde passamos por radicalismos tão acentuados, percebo que nunca é demais parar e olhar para trás e aprender com os erros do passado.
Saí dessa leitura extremamente apaixonada pela obra e pela genialidade narrativa de Laurent Binet, desejando efusivamente conhecer outros trabalhos seus.
“(…) o julgamento da História é o mais terrível de todos.”
Ficha Técnica:
Título: HHhH
Autor: Laurent Binet
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 344
País: França
Avaliação: 5/5 estrelas